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quinta-feira, 16 de abril de 2009

UMA NOVA CEGUEIRA


CRÔNICA 49


Fui ao correio enviar alguma correspondência, e observei um casal entrar e apanhar a senha. Quando o letreiro anunciou o próximo número,eles se dirigiram à funcionária, que, olhando-os, perguntou por que eles tinham atendimento preferencial. O homem disse que não tinha e ainda levou alguns minutos para entender que ele havia apanhado a senha para atendimento preferencial, isto é, para deficientes, grávidas e idosos, e não a de atendimento normal, que era o caso dele. Esclarecido o fato, o casal foi pegar outra senha e ir para o final da fila.
Por coincidência fui atendida mais tarde pela mesma funcionária. Então lhe perguntei se casos semelhantes ocorriam com frequência, se as pessoas pegavam o tipo errado de senha, por distração e não por má fé. Ela disse que sim, que isto acontecia muitas vezes todo dia, embora o cliente que não esteja indo pela primeira vez a uma agência de correio saiba do uso das senhas e de sua diferença. Mesmo que fosse pela primeira vez, acrescento eu, está claramente escrito que é preciso apanhar uma senha e qual é o tipo de senha para cada pessoa. Em não se tratando de analfabeto, não há por que não agir de acordo com as instruções.
O fato em si não é grave nem traz maiores consequências. Só serve para ilustrar uma conduta que tem me chamado muito a atenção: muitas pessoas se negam a ler as mensagens escritas na vida diária. Ora, como estabelecer a comunicação com os outros, se não usarmos a palavra escrita? Como o usuário vai saber qual a plataforma dos ônibus para São Paulo, se não houver uma placa óbvia com o nome da cidade?
O que faz um homem que não está grávido, não é deficiente, nem idosos apanhar a senha indicada para estes três casos. A resposta distração é muito fácil e não me satisfaz. Acho que, mais do que distraído, ele não “vê”, ele não quer “ver” o que está escrito, como se a palavra não lhe dissesse respeito. Receio que haja uma doença da não leitura, uma fobia da palavra. Não digo que o brasileiro não gosta de ler livros, o que já é uma verdade conhecida. Digo mais, que ele não gosta de ler palavras, estejam onde estiverem, inclusive nas ruas de sua cidade.
Será que toda agência teria que dispor de um funcionário para abrir a porta e colocar na mãozinha de cada usuário a senha adequada, por ele ser incapaz de perceber um texto escrito e de lê-lo? Além da famosa falta de hábito de leitura de textos literários, há uma falta de hábito da leitura de mensagens que só faltam saltar a nossa frente. No metrô, em todas as saídas várias pessoas saem por onde há escrito em letras garrafais ENTRADA. Todos os dias quando passo, paro para observar o mesmo fenômeno social. Como não acho que seja o caso de distração apenas ou de pura falta de educação, poderia chamá-los metaforicamente de cegos ou analfabetos. Mas também não acho que seja o termo apropriado.
Na verdade ainda não sei como denominar esta não leitura, já que não penso que seja só falta de atenção coletiva. De qualquer forma, o fato me parece sério, porque imagino que, em outras situações bem mais importantes da vida, estas pessoas também se neguem a receber a comunicação dos outros. As relações assim correm o risco de se parecerem com o antigo quadro humorístico de duas velhinhas surdas, que sempre respondem a perguntas que não forem feitas.


Katia Sarkis

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