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segunda-feira, 8 de junho de 2009

A DESCULPA ESFARRAPADA

CRÔNICA 56




Uma vez uma senhora me disse que não tinha comprado um imóvel durante toda a sua vida, porque o dinheiro que juntara ela gastou adquirindo um piano para sua filha, quando ela estava com 10 anos. Não sou especialista em pianos, mas acho que o piano na sala de estar não custa um apartamento. Imagino que ela deva ter dito sempre isto para sua filha, desculpando-se em parte por não lhe dado uma casa, e criando-lhe um sentimento de culpa, pois os pais abriram da casa própria para que ela pudesse estudar piano.
A filha, ainda bem, não me pareceu culpada. O fato é que a mãe sempre morou com ela e por ela foi mantida. Não por ela ter lhe dado um piano no início da adolescência, mas simples fato de que a mãe jamais trabalhou. A contribuição da presença da mãe em sua para a separação é tema de outra crônica, que não faremos agora.
Interessa-nos no momento pensar como alguém fantasia uma justificativa por não feito algo. Ora, a maioria dos brasileiros não tem casa própria ou mora em um barraco por uma razão simples: recebe um salário baixo, que não lhe permite adquirir um imóvel, nem financiado. A senhora da história não é exceção, mas a regra. E por isto ela não tem do que se envergonhar. Talvez devesse se envergonhar de nunca ter trabalhado e, conseqüentemente, não ter tido nem um salário pequeno.
É claro que ninguém acredita na escolha do piano no lugar do apartamento, mas ela repete para todos, como se não fosse absurda. Não queremos aqui julgá-la, mas lamentá-la. Esta senhora, devido à idade, não mudará mais. Aqui ela aparece só como um exemplo. De alguém que fantasia, e se desculpa, sabendo que a sua desculpa é uma mentira. Mesmo assim, prefere a mentira à verdade desagradável.
Temos que evitar as desculpas, as fantasias e as mentiras. Por mais que finjamos e finjamos que os outros acreditam em nossas mentiras, uma vida falsa não é uma vida boa. Desculpas esfarrapadas como esta do piano só fazem com que os outros nos olhem com pena. No lugar de pensar que ela foi uma mãe tão dedicada que se sacrificou deixando de ter um imóvel para comprar um piano para a filha, pensam que ela é uma pessoa mentirosa e manipuladora, quando não senil, por causa da idade.
As desculpas, com a intenção de esconder algo, na maioria das vezes funcionam ao contrário e revelam mais ainda. Se esta senhora não tivesse tocado no assunto, duvido que alguém perguntasse a ela por que nunca teve um imóvel. A sua fala sobre a não aquisição da casa própria na verdade era a fala sobre outro tema: o da mentira. O subtexto desta fala não é “olhem como sou uma mãe zelosa e desprendida”, mas “olhem como sou medíocre e como me valho de artifícios frágeis para enganar os outros.
Pense se você faz o mesmo. Você costuma criar histórias para encobrir fatos que, embora verdadeiros, não lhe refletem uma boa imagem? Será que não é preferível olharmos como realmente somos e a partir daí buscarmos mudar algo em nós para melhor a fantasiarmos e ficarmos sentados fazendo um esforço interno para acreditarmos em versões falsas sobre a nossa vida?
Um filósofo já disse certa vez que o “homem está só e sem desculpa.”


Katia Sarkis



























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