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segunda-feira, 16 de março de 2009

OS MAL-ACOSTUMADOS

CRÔNICA 32




Você talvez seja do tipo que faz muitas coisas: trabalha, estuda, cuida de filhos, da casa, dá assistência a parentes, e ainda consegue praticar um esporte e ter algum lazer no fim de semana. Digamos que, só por exemplo, que você também dedica-se à pintura nas “horas vagas”. É claro que você é bastante ágil e dorme pouco, afinal o dia tem 24 horas para todos. Não há milagre.
Digamos mais: este seu hobby adquiriu outra dimensão e você passou a fazer exposições há seis anos. Tem feito uma exposição bienal na galeria de uma amiga e tem até recebido boas críticas dos visitantes e vendido alguns quadros, embora ainda não tenha sido descoberta pela mídia.
Mas no ano passado, que seria o ano “sim” da exposição, você não a fez. Então alguns amigos perguntaram se você parou de pintar e familiares andam preocupados com você, suspeitam de problema de saúde ou de relacionamento conjugal.
Apesar de todos saberem de suas inúmeras e inverossímeis atividades, todos acharam normal quando você começou a pintar e a expor. Na época, ninguém perguntou como você conseguia ter tempo para “virar artista”. Houve até quem dissesse que, finalmente, você tinha tomado vergonha na cara e concretizado o seu sonho de pintora, como se você não tivesse pintado até aquele momento por vagabundagem ou incompetência.
Agora, os mesmos que não se espantaram durante anos com sua capacidade de realizar múltiplas tarefas se espantam porque você não fez uma exposição esperada e, pior, a criticam por ineficiência.
Esta é só uma história e você deve conhecer várias parecidas. O curioso é que ninguém se surpreende com o médico que tem quatro empregos, faz plantões semanais, cursa uma pós-graduação e ainda escreve artigos para uma publicação científica. Basta não sair um texto seu em um número da revisa e ele já é chamado de preguiçoso. Antes ninguém se importou com as quatro horas mal dormidas, com as refeições normalmente não feitas, com a não realização dos exercícios físicos que ele tanto recomenda para seus pacientes etc etc
Em suma, você é julgado pelo que não faz ou para de fazer, e não pelo que faz. O revisor que detectou e consertou 999 erros em um livro é condenado por não ter percebido o milésimo: a falta de uma crase. Talvez até seja despedido. Ninguém quer saber que, como ele recebe pouquíssimo por página revisada, é obrigado a aceitar trabalho em excesso, prejudicando, assim, a qualidade de sua revisão. Isto sem falar que um revisor não é máquina e que o erro passa, não por falta de conhecimento, mas de “visão”.
Agora que tal olhar para os que cobram e criticam. Normalmente eles não realizaram um sonho como o da pintora, não trabalham nem a metade do médico, não fazem cursos, não leem, mas estão sempre muito “ocupados” e “cansados”. Parecem-se mais com os revisores, porque adoram ver um “erro”, nos outros, é claro. E vão simplesmente apontá-lo com ar superior.


Katia Sarkis

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