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terça-feira, 31 de março de 2009

A SÍNDROME DA FALTA



CRÔNICA 44

Encontrei no metrô com uma antiga colega de escola e logo me veio à cabeça um fato que a marcava em todas as turmas pelas quais passava: ela costumava faltar às provas em primeira chamada. Com o tempo, os professores, a contragosto, se acostumavam em ter que elaborar uma prova de segunda chamada para uma aluna, a mesma. É claro que ela não tinha noção do trabalho que dava aos professores, pois perdiam pelo menos uma hora fazendo uma prova só para ela. Hoje acho que o colégio deveria cobrar uma taxa de seus pais por esta costumeira prova extra. Acontecia que os professores, depois de saberem que se tratava de um problema psicológico, e constatarem de que era uma boa aluna, tinham tolerância e até gostavam dela.
Para os colegas ela foi sempre a aluna que faltava às provas. E fazíamos apostas todo dia de prova, mas era difícil alguém achar que, por alguma razão, ela viria àquele dia, contrariando a expectativa da turma e do professor. Apesar desta conduta, ela era querida por todos , por ser bastante educada e inteligente.
Tentamos em 15 minutos de metrô pó a conversa em dia. Onde está? O que tem feito? Terminou o doutorado? E a família? Trocamos telefone, e-mail, e deixamos no a perspectiva de um encontro para conversarmos melhor. Dias depois eu lhe telefonei e marcamos um jantar com mais quatro colegas da época. Ela ficou satisfeita com o telefonema e a oportunidade de rever a turma.
Dez dias depois, no restaurante, uma colega, a terceira a chegar, apostou que ela não viria, que ela decerto não perdera o hábito de faltar. Ao fim da noite, tive que dar o braço a torcer e admitir que a colega tinha razão. Ainda adolescentes sabíamos que aquelas faltas eram motivadas por problemas psicológicos, que não sei se foram tratados ou não. O que me parece claro hoje é que permanecem: esta colega tem a síndrome da falta. Jovem, faltava às provas; adulta, aos encontros. Diria mais, ela tem passado o tempo todo faltando à vida.
Talvez terapeutas chamem o fato de fobia, uma fobia crônica. Sem querer entrar em detalhes de nomenclatura, chamo de doença. E lamento, pois é uma doença que, sem manifestação visível, impede a vida. Apesar de ser ainda bem inteligente, aos 46 anos não trabalha
e nem sei se trabalhou um dia. Imagine algum patrão que aceitaria um funcionário que faltasse ao serviço com tanta freqüência e sem motivo.
Pensei em lhe telefonar para saber o que houve, por que não compareceu ao nosso encontro no restaurante etc. Mas não o fiz. Com o aparelho na mão, não consegui ligar. E supus que muitos amigos devem ter se afastado pela mesma razão. Quando as pessoas sabem que é uma “doença”, tornam-se mais compreensivas, mas depois, com o tempo, desistem da companhia. Infelizmente, a síndrome da falta não é um caso isolado. Ela acontece com muitas pessoas, embora nem sempre de modo permanente, o que mascara a conduta.
No outro dia em casa, parei me perguntando: será que eu também costuma faltar à vida? E com que freqüência? E em que situações?
Bem, responder a estas perguntas é o primeiro passo para pararmos de faltar.

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