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quarta-feira, 18 de março de 2009

O TEXTO ERRADO NA CENA ERRADA

CRÔNICA 34

Tenho sido mediadora de um casal amigo em fase de separação, uma espécie de espiã dupla, infelizmente. É uma situação desagradável , da qual não consegui escapar, pois muitas vezes, ao fim de algum tempo, os dois se voltam contra o mediador, acusando-o de traição. Ou seja, eu corro o risco de ficar mal com os dois.
É só mais uma separação, dirá o leitor, que, dependendo da idade, já conviveu com muitas, além da própria. Primeiramente, separação nunca é só mais uma. Todas são difíceis, pelo menos para um dos dois. E segundo pesquisas na área médica, a separação vem em primeiro lugar como causa de depressão, superando inclusive a viuvez.
Mas não é exatamente da separação que quero falar agora, e sim da reação da minha amiga. Em todas as conversas que temos, ela repete que não sabe se o aceitará de volta, que não sabe se irá perdoar a sua traição, que, quando ele voltar, as coisas serão diferentes, bem diferentes. Sinto-me mal, mas não posso lhe dizer que ele não vai voltar, pois, de fato, já se mudou para o apartamento da outra e que parece feliz com a mudança.
Sei que não é fácil lidar com a traição e com a separação e que as reações são as mais diversas. Não julgo a conduta dos recém-separados, pois eles sabem a dor e a tristeza do momento. Agora penso sobre as frases da minha amiga. Em todas, há a certeza da volta do marido e é sempre ela o sujeito da ação: quem vai aceitar de volta ou não, quem vai perdoar ou não. Parece-me que ela mantém um texto inadequado para a cena. Quero dizer, este texto é de outra peça e de outro personagem. Ela não é o sujeito da ação, mas o ex-marido que saiu de casa. E não sei se, inconscientemente, ela diz essas coisas para sofrer menos.
O fato é que não lhe cabe mais aceitá-lo ou não de volta, porque ele não voltará. Ela já perdeu o poder de decisão sobre o relacionamento. E sobre isto que quero falar: sobre a insistência em um texto, quando ele não diz mais respeito aos acontecimentos. O caso da separação aqui é só um exemplo.
Será que muitas vezes não assumimos a máscara de um personagem, a qual se cola de tal forma em nosso rosto, que não conseguimos mais tirá-la? Ora, a peça mudou, a cena mudou, os personagens mudaram, e continuamos com as mesmas falas. Logo o diálogo não acontecerá, pois os outros personagens, ao contrário de nós, estão na peça certa.
No teatro e no cinema, vemos atores que fazem sempre o mesmo tipo ou o mesmo papel: o vilão, o padre, o garçom, o angustiado. Será que na vida real também não há pessoas com tendência a fazer o mesmo papel? Será que não dizem frases de sujeito em momentos que são pacientes? Imagine o personagem vilão achando que é o garçom. No mínimo ele vai quebrar a louça e derramar bebida nos fregueses. Este seria um pequeno desastre, se comparado com agir ignorando a realidade e insistindo em falas e atitudes fora de hora e de lugar.
Katia Sarkis

Um comentário:

  1. Um texto muito bom, puxado para o lado cômico do cotiano sem exageros e com idéias fáticas, parabéns.

    Ass: Um navegador noturono ou um simples leitor dos texto de alguém.

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