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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 11

A SURDEZ

Estava na plataforma do metrô, quando o funcionário anunciou pelo alto-falante que o próximo trem não faria serviço de passageiros. Logo que o trem chegou, o funcionário permaneceu avisando que o trem, agora parado na estação, não faria serviço de passageiros. No entanto, havia umas 50 pessoas em frente às portas dos vagões, esperando que elas abrissem. E, mal o trem partiu, alguns fizeram uma expressão de frustração, como se estivessem surpresos com o fato.
Ora, o aviso pelo alto-falante fora dado inúmeras vezes de forma audível, por que aquelas pessoas não “escutaram”? Mesmo que houvesse deficientes auditivos entre elas, não seriam certamente a totalidade. Logo eles fisicamente ouviram a mensagem, mas agiram como se nada tivesse sido dito.
Se fosse um só a não ouvir, diríamos que se encontrava distraído, mas 50 pessoas distraídas? Como não se trata de um caso isolado, podemos pensar em uma surdez coletiva. Sim, ela existe. E não é só distração, é a falta de hábito de não ouvir, de não pensar no outro. Ou a expectativa de se ouvir algo faz com se ouça o que não foi dito. Eles estavam ali, na plataforma, à espera do trem que os levariam para casa ou para o serviço, logo como o trem não faria isto?
Não sei com certeza o que causa esta conduta, só me atrevo a fazer especulações. De qualquer forma, acho que o fato merece atenção, que ele não acontece por acaso. Gostaria de perguntar a algumas daquelas pessoas por que elas foram para a porta do vagão, se foi dado o aviso de que o trem não levaria passageiros. Será porque eles falam outra “língua”? Será porque eles não lidam bem com as palavras? Como deve ser a relação dessas pessoas com a família? Apostaria que não é boa.
O fato é que existe uma surdez, individual e coletiva. A surdez individual seria fruto do egoísmo ou, pelo menos, do egocentrismo. O sujeito está tão voltado para si mesmo que não escuta o que o outro, a seu lado, fala. É uma leitura possível, mas não me satisfaz. Acho que há mais coisa nesta surdez, pois ela é numerosa. E, pior, ela não será tratada por otorrinolaringologista algum. As pessoas do metrô permanecerão surdas.
Se um aluno na escola não entende por que fez determinado erro no exercício ou na prova, provavelmente o repetirá. Assim é na vida: se as pessoas não sabem por que não ouvem, continuarão surdas. E os verdadeiros surdos têm dificuldade de interpretação: como não sabem o que está sendo perguntado, respondem qualquer coisa. O meu receio é este. Como essas pessoas não percebem o que acontece a sua volta, também vivem qualquer coisa.
Katia Sarkis

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