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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 5

A MÁSCARA DA LINGUAGEM

Li recentemente num livro de Gustavo Cerbasi o seguinte: “O grande charme do dinheiro está no fato de ele raramente se mostrar como o vilão da história. Se não há dinheiro para renovar o guarda-roupa, o problema é percebido como desleixo...” O talentoso economista trata de questões financeiras em seu ensaio, mas aqui quero chamar atenção para a linguagem. Denominamos de ‘desleixo’ o que é falta de di-nheiro. Como, no momento, não vou tratar do assunto dinheiro, ficarei só na questão da linguagem. E não é pouca coisa.
Por que achamos que há falta de cuidado, quando, na verdade, não há dinheiro? Como há um tabu para tratarmos deste tema, então, falamos de outras coisas. Criticamos os mal vestidos, dizendo que são suburbanos, cafonas, caipiras, quando na verdade sabemos que eles não têm dinheiro para se vestirem de outro jeito, para andarem na moda feita nos bairros chiques das metrópoles ricas.
Achamos que o outro não tem bom gosto, por uma questão de opção ou educação, e não olhamos de frente para a causa: ele objetivamente não tem dinheiro. Este é um problema que não diz respeito apenas à falta de dinheiro. É o da linguagem: disfarçar, mascarar as coisas.
Em outras palavras mais simples, por que não damos os nomes aos bois? O que a linguagem esconde? E por que esconde?
No exemplo acima, vemos que é mais fácil falar em características como ser desleixado do que reconhecer de fato que a pessoa não tem dinheiro para se vestir melhor e por que razões não tem dinheiro. Fazemos de conta que a História não existe e falamos bobagens como dizer que fulano tem um temperamento assim ou assado ou que saiu ao pai ou a mãe. Por que será que tendemos a fazer abstrações e a não falar das circunstâncias reais da vida?
Verifique o uso que você faz da linguagem. Se você está usando uma palavra (desleixo) para significar ou esconder algo (falta de dinheiro), a quem você quer enganar? Para quem você está mentindo? Cuidado com os substantivos abstratos (desleixo é um deles), pois muitas vezes são utilizados contra a vida.
Palavras como amor, compreensão, respeito, vergonha, ética, justiça etc, que significam valores dignos de admiração podem ser i-ronicamente empregadas como mentiras, máscaras que escondem a verdade desagradável de ser dita e vista. É claro que sempre podemos optar pela mentira. Mas que seja por cinismo, e não por convicção!

Katia Sarkis

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