contador de visitas

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 2

QUEM ESPERA JAMAIS ALCANÇA

Lembrei-me de uma peça nacional publicada na década de 80 em coleção do INACEN. Nela a protagonista está sempre esperando por alguma coisa. Espera fazer 18 anos para poder ir à boate, ao cinema, etc; espera se formar, para poder conseguir um emprego melhor; espera encontrar o par ideal, para ter uma família; espera os filhos nascerem, para se sentir realizada na maternidade; espera os filhos crescerem para ter tempo; espera a promoção do marido para comprar um apartamento e mudar de bairro; espera a aposentadoria para poder viajar...
Ou seja, a personagem tem referências externas que marcam cronologicamente a vida: idade disso e daquilo. E espera o momento apropriado para ser feliz, sempre em função de algum acontecimento. Na prática apenas substitui a razão que a impede de ser feliz, pois outra vez está em falta. E quando consegue fazer algo, olha para o lado e vê que precisa de outra coisa. Sua expectativa de felicidade estabelece sempre uma relação de dependência. Logo, nunca se sente satisfeita e realizada, só acumulando frustrações e lamúrias. O tempo todo exige da família, especialmente do marido, excessivo empenho para ajudá-la a atingir seus inúmeros e mutáveis objetivos.
Na sua cabeça se sucedem as seguintes frases: “Quando eu me formar, aí, sim, serei feliz...”, “Quando tiver aquele emprego, aí, sim, serei feliz.”, “Quando tiver um casal de filhos, aí, sim, serei feliz.”... É claro que a enumeração não tem fim, nem a vida, felicidade. A personagem, no fundo, cria um motivo para não ser feliz; justifica, assim, sua incapacidade para a alegria e se ‘desresponsabiliza’ de suas poucas realizações.
Não teve dinheiro, porque seu pai não lhe deixou herança; não teve uma vida conjugal satisfatória, porque seu marido era insensível; não teve filhos brilhantes, porque a juventude atual é inconseqüente; não subiu profissionalmente porque o chefe a perseguia e as colegas tinham inveja. Potencialmente tinha tudo para ser feliz e até sabia como, se não fosse impedida pela incompetência
dos outros.
Você talvez conheça alguém parecido com a nossa personagem. Quem sabe se você mesmo não se parece com ela? Se for o caso, você irá negar as semelhanças, pois sua característica principal é não assumir a responsabilidade por seus atos. Veja como as realizações individuais não podem ficar dependentes de uma idade, de um diploma, de um parceiro, de um emprego, de um lugar, de uma família, de uma poupança, de uma casa bem mobiliada...Na peça em questão, a mulher envelhece sem reconhecer que o tempo passou e que as oportunidades foram perdidas. Estava sempre à espera de chegar a algum lugar, que não se deu conta de que a vida era justamente o caminho.Agora é tarde: não há outra vida, nem outro caminho.



KATIA SARKIS

Nenhum comentário:

Postar um comentário