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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

CRÔNICA 16

CUIDADO COM AS FANTASIAS

Com frequência idealizamos as coisas na vida e, como elas não são de acordo com a nossa idealização, nada fazemos. Frustrados, deixamos o tempo passar. De vez em quando, paramos para nos lamentar da vida não ser o que queríamos, sem perguntar se nós somos o que a vida esperava que fôssemos. Criticamos os outros, por não terem as qualidades ou características que gostaríamos que tivessem, pois elas nos seriam mais convenientes, sem fazer a auto-análise para verificarmos se nós temos estas qualidades, ou aquelas que são as preferidas dos outros.
Se somos bons cozinheiros, achamos que este é um atributo fundamental do homem e esperamos que todo mundo goste de usar a cozinha e fazer pratos deliciosos. Julgamos os outros por sua habilidade culinária e falamos sobre o tema quase que diariamente. Ora, nem todos gostam de cozinha e não têm tempo para se dedicar a ela. O trabalho e o corre-corre do dia a dia nas grandes cidades não deixam tempo para que durante a semana alguém faça o seu próprio almoço. Se pensar bem, não me lembro de ninguém que o faça, pois todos os meus amigos e conhecidos trabalham.
Neste caso, estaríamos usando a exceção – alguém que não trabalha e, portanto, tem disponibilidade para a cozinha – como parâmetro para avaliar os outros.
Retornemos às idealizações e vejamos outros exemplos. O primeiro relacionamento amoroso duradouro é normalmente mais idealizado do que os outros, pois temos mais expectativas e menos experiência. Fantasiamos que não teremos os problemas que vimos em outros casais, que seremos eternamente apaixonados e que viveremos “felizes” para sempre, como nos antigos filmes de Hollywood. Na realidade aprendemos que as coisas não são assim. Muitas pessoas, após a primeira separação passam a vida de relação em relação em busca do par ideal, numa espécie de jogo lotérico, ou se fecham e não se relacionam mais, magoados com o destino que a escolheu como a “única vítima” da desilusão amorosa.
Com o tempo, percebemos que é inútil ir de relação em relação, pois esta provavelmente é a melhor maneira de não encontrarmos o par “perfeito e definitivo”. Aliás, como esperar o definitivo, se nós mesmos optamos pelo transitório? Teremos sempre em mente que deve existir alguém mais adequado para nós e terminamos, consciente ou inconscientemente, o relacionamento. Dificilmente em algum momento pensamos se nós somos o mais adequado ou o mais satisfatório para os outros. Cegos, não temos dúvidas de que o somos.
Os outros, que se fecharam em copas, veem o tempo ir embora e não se relacionam mais, abdicam de sua afetividade e sexualidade e vão cuidar de negócios, filhos e netos, ou seja, têm razões nobres para não viverem, pois quem ousaria falar mal do trabalho ou da família? Será que se deixarmos de lado as idealizações e nos olharmos com olhos mais realistas, não poderemos ter mais satisfação na vida? A satisfação afetiva e sexual que toda relação deve nos oferecer, sem as expectativas e cobranças que existem na relação-modelo.
Como não conseguimos 100% de uma relação, não aceitamos 80%. Só que, com a idade, percebemos que nenhuma relação será mais 100%, nem mesmo os 80% inicialmente rejeitados. Então nos vemos diante de 50% ou 40% e aceitamos, porque agora sabemos que amanhã serão talvez só 20%. É claro que estou usando estes números didaticamente, pois não podemos medir uma relação em porcentagem. O que quero dizer é que, com a velhice e suas alterações físicas e psicológicas e com a fragmentação de nossas vidas, especialmente nas metrópoles, a idéia de relação matricial cada vez fica mais difícil. E ao percebemos, para alguns tardiamente, que o corpo que temos é este, a vida que temos é esta, o relacionamento que temos é este. Em outras palavras mais simples, é pegar ou largar.
Cuidado para aos 40 não nos arrependermos do que não fizemos aos 30 e aos 50 não nos arrependermos do que não fizemos aos 40. Depois de mortos, uma coisa é certa: não teremos mais tempo nem oportunidade.

Katia Sarkis

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