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domingo, 15 de março de 2009

OS OBJETIVOS II




Crônica 31


Vamos abordar algumas características dos objetivos. Primeiro, eles têm que ser realistas, isto é, realizáveis. Você não pode ter como objetivo ser bailarina profissional aos quarenta anos, pois o seu corpo já passou do tempo para este tipo de atividade. Isto só acarretaria tristeza e frustração. Logo um objetivo é algo que você pode conseguir.
Em segundo lugar, se para se alcançar um objetivo, você precisa esperar alguns anos, pense em dividi-lo em etapas, caso contrário, há o risco de você desistir, porque você não terá paciência e perseverança para agir durante tanto tempo, sem ver resultado.
Depois verifique se o objetivo é específico e mensurável. Se o seu objetivo é ter bem-estar ou felicidade, como saber se o atingiu? Mas se for perder dez quilos dos seus atuais oitenta, em um determinado tempo, você tem um objetivo delimitado e capaz de ser reconhecido. Basta olhar a balança e você verá que seus esforços estão tendo êxito. E, mais magra, você certamente se sentirá melhor e mais feliz.
Por último, o objetivo tem que ser algo que dependa só de você. Se o seu objetivo for ser mãe de um engenheiro ou de um pintor, você está apenas mostrando desejo de controlar a vida alheia, e não de realizar a sua. Se for o caso de outra pessoa ter que fazer algo para concretizar o seu desejo, este desejo tem que ser dos dois, e não só de você. Lembre-se: todo objetivo prescinde da participação de outros.
Vamos a um exemplo. Suponhamos que eu queira fazer um concurso público para uma carreira fora de minha área. Logo meu objetivo é a realização financeira, e já não a profissional. O primeiro passo, então, é escolher a área, depois buscar informações a respeito das provas, frequentar um curso preparatório e estudar também em casa. Ora, todos sabemos que estes concursos são bem concorridos e que as provas são difíceis, ainda mais por serem de área diversa da nossa formação. Isto significa que os poucos que são classificados e chamados pelo governo tiveram que estudar durante anos. Em outras palavras, é um objetivo a longo prazo.
Temos aqui um propósito específico, a aprovação em um determinado concurso público, e não um desejo vago de estabilidade financeira. Agora se ele é realista ou não vai depender de várias circunstâncias: a formação, a cultura, a capacidade de aprendizagem, o material usado para estudo, os cursos, o tempo dedicado ao estudo, a perseverança...
Neste caso, convém dividir o objetivo em inúmeras etapas. No lugar de pensar que tenho que aprender toda a gramática da língua portuguesa em dois anos, penso em estudar, por exemplo, sintaxe, no primeiro semestre. E, melhor, faço um organograma do estudo e, assim, sei que a primeira semana será dedicada à concordância verbal. Quando fizer os exercícios só sobre esta matéria, será fácil avaliar meu rendimento e a realização do estudo dentro do prazo predeterminado. São as pequenas satisfações e conquistas que me manterão com disposição para levar o projeto durante os anos necessários.
Lembrem-se de que o objetivo de se preparar é um e o de passar, outro. A aprovação é a possível consequência. A propósito, muitos confundem consequência com finalidade. Ambas as idéias de fato se referem a fatos posteriores, mas são bem diferentes. O melhor advogado é aquele que teve como finalidade seguir esta carreira, e não como consequência de seu curso de Direito. Por outro lado, a maternidade e a paternidade devem ser a consequencia de um bom relacionamento a dois, e não a finalidade de um só ou mesmo do casal.
Toda consequência, sabemos, tem uma causa a seu lado, antecedendo-a. E a finalidade, ou seja, o objetivo, também tem alguma causa? Que tal, então, nos olharmos como as causas de nossas consequências, afinal estamos sempre no lugar para onde nós mesmos nos levamos?

sábado, 14 de março de 2009

O VALOR DOS OBJETIVOS


Crônica 30



Hoje o nosso tema são os objetivos que temos na vida. Primeiro, infelizmente, a maioria das pessoas não os tem, porque simplesmen-te não ouviram falar de objetivos, quando eram crianças ou adolescentes. E, quando perceberam a sua necessidade, já eram adultas e já estavam na roda viva, com muitas ocupações e, portanto, sem tempo para parar e pensar sobre eles. Talvez os pais tenham dito que ele tinha que escolher uma profissão, mas ser advogado, por exemplo, não é um objetivo suficiente. Um diploma de Direito é só a permissão para que você exerça a profissão de advogado, não é a profissão.
O fato é que sem objetivos definidos e claros para nós mesmos, é difícil realizarmos os nossos desejos, porque eles permanecem intangíveis. Temos a mania de dizermos que gostaríamos disso e daquilo, mas, normalmente, nada fazemos para satisfazer os desejos. Há o sujeito que passa a vida inteira dizendo que gostaria de conhecer Paris e não dá um passo sequer em direção à capital francesa. Primeiro é preciso ter um passaporte, comprar a passagem e levar dinheiro para as despesas de viagem. Caso saiba um pouco da língua, será melhor, mas não é imprescindível, pois ele pode fazer uma excursão e o guia servirá de intérprete.
Então o que ele precisa é economizar durante algum tempo, que vai variar de acordo com o seu salário, e parar de usar o futuro do pretérito. Ora, se ele recebe um salário mínimo, é claro que ele jamais irá a Paris. Neste caso, ele tem problemas e necessidades bem mais sérias do que fazer uma viagem à Europa. Refiro-me aos que, potencialmente, podem ir a Paris e não vão, por razões secretas que dizem respeito a sessões de análise, e não a esta crônica.
Digo isto, para tentar definir melhor o que é um objetivo. Ir a Paris no exemplo acima não era um objetivo do sujeito da história, era só um modo de falar sobre a sua inércia diante de supostos desejos. Objetivo na verdade é uma meta para a qual nós nos encaminhamos e pela qual fazemos tudo o que for preciso. Quando fazemos pouco ou desistimos no meio do caminho, não era um objetivo. Era talvez só uma fantasia, na falta de palavra melhor.
Não queremos dizer que, obviamente, basta ter um objetivo para alcançá-lo. E, sim, que temos que agir, agir e agir.
Façamos um teste. Pergunte às pessoas ao seu redor quais os seus objetivos na vida, desde os mais simples e imediatos aos mais distantes e duradouros. Aposto que a maioria vai se embaraçar para dar a resposta, porque provavelmente nunca pensaram nisto, embora ninguém vai querer admitir que tem vivido até agora sem objetivo algum. Pensemos a respeito.

Katia Sarkis

sexta-feira, 13 de março de 2009

VOCÊ É O TEMPO QUE TEM?


CRÔNICA 29


Tenho ouvido muitas vezes a frase “Você é o que come!”. É razoável que se tenha cuidado com a alimentação, mas que isto se dê de forma realista e, sem querer usar de ironia, saudável, já que saúde não se obtém só pela alimentação. Mas na verdade alimentação não é o verdadeiro tema desta crônica. Portanto, continuem atentos com o tipo e a qualidade de comida que ingerem, enquanto vamos esclarecer que esta frase é só o ponto de partida para a nossa pequena discussão.
A sensação que tenho quando ouço esta frase é que a pessoa que a fala só se dedica à alimentação o dia inteiro, pois consegue relacionar qualquer fato da vida aos hábitos alimentares. Parece-me que especialistas em qualquer área veem a sua especialidade no todo, ou seja, não enxergam mais nada.
Ninguém provavelmente vai ter tantos cuidados com um carro do que um mecânico. Ele certamente sabe o significado de cada ruído do carro e age imediatamente assim que o ouve. Já quanto à alimentação, talvez não seja o modelo a ser seguido, pois seu pensamento está mais voltado para carburador e motor do que para frutas e legumes. Nada mais razoável.
Se adaptarmos a frase para outras situações, poderíamos dizer que “Você é o que veste!”, “Você é o que vê!”, “Você é o que ouve!” e por aí vai. Ora, como o dia só tem 24 horas, você não pode ser especialista em todas as coisas e, infelizmente, você vai ter que se descuidar de muitas. Mas alimentação é fundamental, podem contra-argumen-tar. Já o patrão, que paga o seu salário vai dizer que o trabalho é mais importante, pois é graças a ele que você tem dinheiro para se alimentar. E é por causa do trabalho também que normalmente comemos na rua rapidamente refeições nem sempre muito recomendáveis.
Como jornalista eu diria que você é o que lê. A propósito, quantos livros você lê por semana? Qual foi o último livro que leu? Há quanto tempo? Você lê livros fora de sua área de interesse profissional? De que tipo? Que jornais você lê diariamente? E revistas?
Se as suas respostas forem negativas, porque você não tem tempo, lembre-se de que a falta de tempo justifica tudo: não ler, não comer direito, não fazer exercícios, não cuidar do carro, não ter lazer, não telefonar para os amigos, não arrumar os armários e estantes, não terminar a monografia etc
Será que a frase certa seria “Você é o tempo que tem!”?

quinta-feira, 12 de março de 2009

A FALTA DE INTIMIDADE

CRÔNICA 28




Ouvi de uma viúva que, durante 43 anos de vida a dois, eles nunca souberam o salário um do outro. Apesar da intimidade do sexo que uma união de tantos anos pressupõe, eles não tinham intimidade para perguntar quanto o outro ganhava. Isto mostra que jamais houve planejamento naquela família, pois como estabelecer objetivos e realizar desejos, se não sabemos o dinheiro de que dispomos para tanto.
Ou, podemos concluir, que o planejamento, se houve, era individual e nunca, é óbvio, do casal, mesmo que a finalidade fosse adquirir algo para a família. Neste caso não vejo um exemplo de independência (sempre bem-vinda), mas de individualismo. E, pior, de falta de intimidade, de falta de cumplicidade, de falta de parceria.
Pasmem, que não é um caso isolado.
Discretamente (se é que existe descrição nesta pergunta), passei a indagar a pessoas conhecidas ou não se o casal sabia o salário um do outro. Para minha surpresa e decepção, a maioria disse que não. E, é claro, não deram nenhuma resposta razoável. Envergonhadas, criavam desculpas esfarrapadas para disfarçar o constrangimento de terem que admitir este problema conjugal.
Dependendo da cultura, as pessoas têm mais ou menos facilidade de perguntar ao outro qual é o seu salário. Em alguns países, esta pergunta é vista com naturalidade; em outros, como falta de educação. Muitas vezes é encarada com suspeita, como se a pessoa que perguntasse estivesse movida por inveja, e não por simples curiosidade.
O fato é que em nosso país as pessoas não gostam de dizer quanto ganham, seja a renda baixa ou alta. Uns têm vergonha do pouco dinheiro e outros têm medo, não só da inveja, mas de pedido de empréstimo, roubo ou sequestro. Agora estas razões não servem, quanto se trata da própria mulher. Se você acha que sua mulher tem inveja de você, se separe ontem. E se você acha que sua mulher pode roubá-lo ou sequestra-lo,se separe anteontem.
Confesso que não me sinto à vontade de perguntar a um amigo quanto ele ganha, a menos que a situação me leve naturalmente a tal pergunta. Por exemplo, tive que recentemente saber o salário de um amigo para provar-lhe que ele estava administrando mal seus oito mil mensais e que ele não tinha razão para reclamar tanto. Mas não perguntar nem dizer o salário para a pessoa amada significa que algo vai mal na vida a dois.
E se os filhos também não sabem quanto a mãe e o pai ganham significa que estes pais, além de não terem intimidade com os filhos, não são bons educadores. Casal e família são substantivos que trazem a idéia de plural, logo não aceitam atitudes individualistas e distantes.

quarta-feira, 11 de março de 2009

DUAS AMIGAS

CRÔNICA 27



Há quinze dias sai para almoçar com duas amigas e, é claro, a conversa volta e meia girava sobre as outras amigas em comum. A Maria trouxe à tona a situação de Carmem que não consegue emagrecer e que, em consequência, está tendo problemas de saúde. Disse não entender por que ela não faz exercícios nem dieta. Falta-lhe força de vontade de mudar a vida, continuava Maria, sinceramente preocupada com a amiga. E ainda acrescentou que se Carmem não fizer algo em pouco tempo, logo será muito tarde.
Maria tem um corpo saudável e bem feito. É professora de Biodança, o que esclarece seus cuidados com o corpo. Dá aulas particulares ou para pequenos grupos em uma sala comercial que aluga em Botafogo. Financeiramente vive na corda bamba, com o mês acabando antes do dinheiro, e fechando a contabilidade quase sempre no vermelho e no cheque especial.
Já Carmem, apesar de não ser formada, teve relativo êxito profissional, e sempre se sustentou e seus dois filhos. Para ela as duas mensalidade da faculdade particular vêm em primeiro lugar, pois quis dar a eles o bom estudo que não teve. Além disso, oferece um certo conforto aos filhos, com direito a carro e bom apartamento. A outra menina de seus olhos é o apartamento em Cabo Frio, para onde costuma ir às sextas-feiras à noite para descansar do estresse semanal.
Ontem encontrei com Carmem na rua. Ela estava vindo exatamente da aula de biodança com Maria, que faz (ou tenta fazer) por recomendação médica. Disse-me, sinceramente preocupada, não entender por que Maria não trabalha mais ou por que se sujeita a esta profissão. Não sabe como uma mãe não se dedica aos filhos e que, se não fosse por uma bolsa obtida por um tio vereador, os filhos de Maria estariam estudando em qualquer coleginho. Com o que ganha, a professora, ironicamente, não dispõe de dinheiro nem para pagar uma mensalidade de aulas de biodança. Falta-lhe força de vontade para mudar a vida, continuava Carmem. E ainda acrescentou que se Maria não fizer algo em pouco tempo, logo será muito tarde.



katia Sarkis














terça-feira, 10 de março de 2009

POR QUE NÃO FAZEMOS O QUE DEVE SER FEITO?



CRÔNICA 26


Serei prosaico no início e perguntarei coisas simples. Por que não fazemos diariamente os exercícios que sabemos há muito tempo que nos fazem bem. Mais do que fazer bem, são imprescindíveis. Por que esperamos um problema físico para, agora com a exigência e não mais recomendação médica, iniciarmos a ginástica ou o alongamento ou a yoga? Por que adiamos para a segunda-feira de 2012 o início do regime? Por que não pomos em ordem a papelada do escritório? Por que não damos aquele telefonema que agendamos há três meses?
Ora, quem faz agenda sabe quantas coisas se acumulam em suas páginas, às vezes até mesmo de ano para ano, e muitas jamais serão feitas. E por quê? Se coisas pequenas são adiadas e não feitas, imagine o adiamento e a não realização das grandes coisas. Se o conserto do aparelho que levou seis meses nos atrapalhou, o que dizer da decisão de fazer um curso ou não, de mudar de profissão, de ir para outro bairro, de se separar, de...?
A primeira resposta é que não temos tempo. E muita gente de fato tem pouco tempo para as tarefas diárias e nem sequer anota em uma agenda as coisas que não irá fazer. Mas há também muita gente que usa mal o tempo, que diz não ter tempo, quando tem. Há muita desculpa, até “nobre”, que usamos para justificarmos para nós mesmos e para os outros o fato de fazermos pouco. Ninguém gosta de admitir que é preguiçoso, indolente e incapaz. E por não admitir vai morrer assim e reclamando que não tem tempo.
E quando citamos exemplos de pessoas que, muito mais atribuladas, produzem mais, os preguiçosos sempre buscam invalidar o nosso exemplo, envergonhados da ineficiência e do desleixo com que conduzem as próprias vidas.
Se nós tivéssemos em mente os benefícios da ginástica, do regime, do escritório organizado, da correspondência em dia etc, nós talvez não demorássemos tanto para iniciar as atividades e tarefas que diariamente esperam por nós. Assim como qualquer chuvinha é desculpa para não se ir à academia, um filho é uma excelente desculpa para não se fazer inúmeras coisas. Embora um filho criado em uma família que não adia as coisas, terá tido um exemplo muito mais útil para a sua vida do que aquela companhia da mãe num determinado dia, quando ela deveria ter ido a uma repartição pública resolver um problema de imposto predial.
Não sei se o leitor reparou quantas vezes usei o vergo iniciar hoje. Não foi por acaso. Que tal antes que o dia acabe, iniciar alguma coisa que está a sua espera há algum tempo. Perdoe-me a redundância, mas “iniciar” é sempre um bom começo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

CUSTO E BENEFÍCIO


CRÔNICA 25



A expressão custo-benefício veio da área econômica e passou a ser usada nas mais variadas situações. À primeira vista, pode parecer uma forma fria de tratar as coisas, como se estivéssemos falando apenas de negócios e não das relações humanas. Caso a expressão o incomode por esta razão, desfaça-se desta opinião e veja que, didaticamente, ela é muito útil para fazermos algumas análises.
Somos todos adultos, logo podemos ver que os acontecimentos têm um custo (o que não significa necessariamente um valor em reais ou em euros) e, quem sabe, um benefício. Se você hoje está formado, sabe que isto custou pelo menos 15 anos de estudo e que o benefício, além do diploma e do direito a exercer uma profissão, é o conhecimento adquirido ao longo destes anos. E se você é (espero que sim) alguém que gosta de estudar, o tempo dedicado à escola, à leitura etc não foi tão “custoso” assim.
O mesmo ocorre em vários momentos da vida, e o que pode ser custo para uns não o é para outros; quanto ao benefício, se dá o mesmo, e o que eu julgo ser bom para mim pode não ser para você. Quero dizer com isto que a subjetividade está presente nesta relação custo-benefício. Ainda: esta expressão não pode ser substituída por mal-bem, o custo não é um mal que a longo prazo traz um benefício, isto é, um bem.
Entendendo então que custo não significa algo ruim, mas algo que precisa ser feito para se atingir tal objetivo e, consequentemente, conseguir determinado benefício, todas as coisas têm um custo. Em outras palavras, não há nada de graça nesta vida.
Se você acha que merece receber coisas de graça. me dê algumas boas razões para isto. Por que você mereceria as benesses do mundo e seu vizinho, não? Num sentido todos merecem as boas coisas do mundo: no outro, todos também têm que se empenharem para fazerem jus a este merecimento.
Façamos aqui um balanço a sós. Vai uma sugestão. Apanhe papel e caneta e escreva 5 fatos de sua vida atual e ao lado o custo e o benefício de cada um. Feita a relação, veja se algum fato parece ser sem ter custo ou sem ter benefício. Nos dois casos, há algum problema. Um fato da vida que não tenha causa ou efeito está solto no ar. Desconfie dele e tente modifica-lo.

Katia Sarkis






domingo, 8 de março de 2009

COMO VOU PAGAR AS MINHAS CONTAS?

CRÔNICA 24




Hoje reproduzo um diálogo ocorrido há dias na praia com uma colega recém-separada.

C – Agora como vou pagar as minhas contas?

KS - Com dinheiro.

C – Mas não tenho o suficiente.

KS – Então você vai precisar trabalha mais, se quiser gastar mais.

C- Não quero gastar mais, só o que venho gastando durante estes anos.

KS – Você agora está solteira de novo, não pode gastar o que gastava quando fazia parte de um casal. A vida de solteiro é mais cara. Logo você vai ter que trabalhar mais ou fazer cortes em suas despesas.

C – Não me conformo em diminuir o meu padrão de vida.

KS – Quantas horas por dia você trabalha?

C – Quatro.

KS – Que tal trabalhar oito ou nove como a maioria das pessoas?

C – Eu preciso de tempo para a ginástica, o cabeleireiro, as compras, a aula de artes plásticas, a casa...

KS – E ele? Como vai pagar as contas dele?

C – Não sei, mas é problema dele.

KS – Certamente, ele terá que também gastar menos.

C – Se ele não tivesse ido embora, nada disso teria acontecido. Ele não podia ter feito isto comigo.

KS – Ele não fez “isto” com você. Vocês fizeram e desfizeram a relação juntos.

C – E, ainda por cima, ele quer vender o apartamento que compramos financiado.

KS – Quem paga as prestações?

C – Nós dois.

KS – Então me parece normal que vocês vendam o imóvel e dividam o dinheiro. Talvez já sirva de entrada ou algo mais para um apartamento menor.

C – Mas eu não quero sair de lá. É um apartamento novo num bom prédio, com infra-estrutura...

KS – Então pague o aluguel do novo apartamento dele.

C – Mas eu não tenho dinheiro.

KS – Isto você já disse várias vezes. Lembre-se da lição do primário: não se pode tirar vinte laranjas de um cesto com dez. Ninguém pode gastar mais do que o seu salário permite. Em linguagem econômica, a despesa jamais pode ser maior do que a receita. Estou vendo que você não é boa em números.

C- Você não entende. Quero saber como vou pagar as minhas contas?

KS – A pergunta é quem e não como. Você deveria dizer “Quem vai pagar as minhas contas?” Ora você já respondeu no pronome possessivo “minhas” da pergunta. Cabe a você, a mais ninguém, pagar as SUAS contas. Simples, não?

Katia Sarkis

sábado, 7 de março de 2009

ADULTO TEM QUE AGIR COMO ADULTO



CRÔNICA 23



A sogra de uma amiga, quando soube que ela queria se separar de seu filho, chamou-a para uma conversa amiga, de mulher para mulher, de mãe para filha (ela podia trata-la assim, não podia?). Em cinco minutos de conversa, estava bastante claro o objetivo do convite: tentar convencê-la a todo custo que ela não deveria (ou não poderia) abandonar o marido (por sinal, seu filho).
Não há dúvida de que separação não é uma coisa boa, sendo a causa número um de depressão, antes até da viuvez ou da perda de alguém querido. Por outro lado, sabe-se também que a maioria dos relacionamentos estatisticamente acaba em separação. Isto não diminui a dor, mas há muito desfez o tabu e descriminação que havia em relação a pessoas separadas. Em escolas de certos bairros, a maioria dos alunos tem os pais separados, razão pela qual já não se festeja mais o dia dos pais e, às vezes, nem o das mães. Para evitar o constrangimento do aluno diante da ausência dos pais.
Só que a sogra (a quase-mãe) mudou, em pouco tempo, o tom de voz e a atitude. Disse-lhe que uma mulher de bem não deixa o marido, não destrói uma família. Disse-lhe para pensar melhor, pois logo,logo iria se arrepender e então seria tarde e que nunca mais ela seria feliz de novo. Mais do que uma relação era à vida dos dois que ela estava pondo um fim e só Deus tem o direito de tirar a vida do homem.
Pouparei os leitores da continuação do melodrama. Só não digo que a sogra chamou-a de vadia e bandida porque este espaço não usa este tipo de linguagem. Direi apenas que depois de 40 minutos, a nora saiu do apartamento da sogra, sem ar e abalada. Sem saber o que fazer ou para onde ir, telefonou-me para encontrá-la. Como a hora não era de censura, pouco falei em nosso encontro, limitando mais a escutá-la.
Agora, na crônica, envio-lhe o recado. O que ela esperava do discurso da sogra? Que homem é este que precisa que a mãe fale autoritariamente com a própria mulher? Que mulher é esta que vai à casa da sogra para ouvir suas censuras e críticas? Talvez esteja aí a causa (ou uma delas) da separação: apesar da idade, o casal se portava como filhos, não como adultos.
E, quanto à sogra, que desastre!

Katia Sarkis








sexta-feira, 6 de março de 2009

O INFERNO SÃO OS OUTROS; O PARAÍSO TAMBÉM.



CRÔNICA 22


Sabe aquela amiga que já perguntou 4 vezes o endereço do seu novo cabeleireiro, porque que ir lá também e fazer um corte igual ao seu, pois você nunca ficou tão bem na vida, afinal o penteado que você vinha usando há 15 anos já estava mesmo fora de moda e, se você quer saber a verdade, jamais combinou com seu tipo de rosto etc etc?
Ela é também aquela que vive insistindo que você tem que fazer um workshop de Renascimento, pois fez muito bem a ela, que se sente outra pessoa depois daquele encontro e ela não entende como você ainda não agendou o seu “renascimento” e que você está perdendo tempo, já fulana, amiga comum de vocês, fez e adorou e até já se sente outra, inclusive pensa em se separar e abrir uma loja de produtos naturais, que foi sempre o sonho dela na vida, mas o parceiro não dava força para os negócios etc etc
Ora, será que esta sua amiga (vamos continuar chamando-a assim) tem algum momento da vida sozinha, alguma atividade na qual se perceba como indivíduo? É triste, mas muitas pessoas não são indivíduos, e precisam o tempo todo da aprovação ou da cumplicidade dos outros. Só se vestem de acordo com a “moda”, só emitem opiniões que julgam ser senso comum, só consomem os produtos anunciados na televisão e, de preferência, pelos atores mais famosos da novela de sucesso da temporada.
Há alunos que, quando o professor de redação dá tema livre, não conseguem escrever uma linha. Por uma razão muito simples: não sabem ser livres nem nas pequenas coisas. Sua amiga foi uma aluna assim na adolescência e está feliz na idade adulta, por não precisar ter que fazer mais redação e não ter que expressar o que pensa e sente. Será por que ela não pensa e sente? Ou será por que só pensa e sente o que outros já pensaram e sentiram e aprovaram?
De qualquer modo, dê o endereço de seu novo cabeleireiro a ela. Pode até ser desagradável as duas saírem juntas com o mesmo feitio de cabelo, e todos perceberem que ela ficou parecida com você. Não se aborreça tanto, pois poderia ser pior: você ficar parecida com ela.

Katia Sarkis




quinta-feira, 5 de março de 2009

TODAS AS COISAS TÊM UM PREÇO



CRÔNICA 21



Tudo custa alguma coisa, o que não quer dizer que tudo seja pago com dinheiro. O custo pode ser dedicação, empenho ou sacrifício. Mas que não há nada de graça é ponto pacífico. Se você não sabe disto é porque você finge que não sabe disto e, portanto, não gosta de pagar o preço das coisas. Ou talvez haja outra pessoa (ou pessoas) pagando por você. Caso você não seja mais uma criança, estamos diante de um problema sério.
Como o seu ídolo (pelo menos espero) não é o Jorginho Guinle que se orgulhava publicamente de jamais ter trabalhado um só dia na vida, vamos continuar a nossa conversa. Partamos do princípio de que você tem mais de 21 anos, é adulto e, portanto, não depende mais de seus pais
Você paga as próprias contas e satisfaz as suas necessidades.
Agora vejamos o preço (fora da área das finanças) das demais coisas. O preço para permanecer naquele emprego talvez seja usar uma ridícula gravata ou chegar pontualmente às 7 horas. Certo, toda gravata é estúpida, mas você perderia o seu salário por este motivo? Sem dúvida que dormir até as 7 é bem melhor do que entrar no serviço nesta hora, mas será que não valeria a pena se acostumar com menos horas de sono ou se deitar mais cedo?
Cuidado para não confundir pagar o preço das coisas com fazer concessões ou ser venal. Se a permanência no emprego depende de uma saída com o chefe, isto já é prostituição; se fazer campanha pública ou votar em certo candidato desonesto for requisito para a melhoria profissional, bem, isto é também prostituição.
Pagar um preço talvez seja estudar à noite, depois de um dia exaustivo de trabalho, para subir na carreira; dividir um apartamento com outras pessoas e perder a privacidade, para poder morar mais perto da lugares interessantes; ou, ao contrário, morar em um bairro mais afastado, para ter dinheiro para arcar com às despesas...
Nos campos profissional e amoroso é fácil verificar se você está disposto ou não a pagar o preço. Pense nisto antes de ser despedido ou do relacionamento acabar. Muitos que se surpreendem com a demissão ou com a separação são aqueles que não enxergaram o preço a ser pago ou não quiseram fazê-lo.
Mas, caso você seja um príncipe ou princesa, esqueça o texto acima e volte logo para seu castelo, longe do mundo real.


Katia Sarkis

quarta-feira, 4 de março de 2009

MIMETISMO 2


CRÔNICA 20


Quando fiz estágio em uma agência de publicidade há alguns anos, conheci um caso grave de mimetismo, porque, convenhamos, isto é uma doença e, muitas vezes, grave mesmo, pois afeta de tal modo a vida de certas pessoas que elas morrem sem ter vivido a própria vida. Era uma colega que foi parar ali por pistolão de um tio, pois precisava de emprego e se achava boa redatora. Na ocasião, estudava Letras e mais tarde acabou de fato professora.
Éramos todos jovens e trabalhávamos em uma equipe de criação dirigida por dois profissionais com experiência, responsáveis pelo produto final apresentado aos clientes. Não sei se sabem, mas numa agência as reuniões são diárias e há as chamadas brain storm, ou seja, as tempestades cerebrais, reuniões em que os participantes dizem tudo que vier à cabeça, sem censura, para depois discutirem estas ideias em estado bruto. Ora, como uma maria vai comas outras pode agir sem censura?
Depois de uma semana de trabalho, o diretor de arte percebeu que esta colega jamais apresentava uma idéia original, apenas repetia o que algum havia dito. Então, de maldade ou de bondade não sei, passou a iniciar as reuniões pedindo primeiramente a opinião dela sobre qualquer assunto. Ela gaguejava, dizia que cedia a vez e até reclamava de ser ela a iniciar reunião, como se fosse uma aluna da 3ª série do ensino fundamental. Não agia como a profissional que agora era, ou, pelo menos a estagiária. É claro que no final de três meses foi dispensada, à revelia do bom pistolão que possuía.
Por mais que o diretor tentasse, jamais conseguiu que ela desse a primeira opinião em uma reunião, pois ela simplesmente não conseguia, falava qualquer coisa, mudava de assunto, até que ele se cansava e, preocupado com o horário, passava a discussão com os outros, ignorando-a.
O curioso é que nas conversas fora do trabalho ela fazia questão de dizer que era ótima professora de redação, que era muito criativa, que escrevia muito bem e que, por ter todas estas qualidades, tentava um lugar na publicidade, em busca de uma remuneração certamente maior do que no magistério.
Não sei o que foi feito dela. Creio que provavelmente deve dar aulas repetidas em alguma escola, em que deve ter entrado por pistolão também, e nem desconfia que sofre de mimetismo. Doenças que, como todas as outras, tem tratamento, mas nem sempre cura.

Katia Sarkis

terça-feira, 3 de março de 2009

MIMETISMO


CRÔNICA 19



Talvez alguns estranhem a palavra e não saibam seu significado, mas ela vai aqui de propósito. Lembrem-se de mímica e de imitação e vejam como todos sabem o que é mimetismo. Ou, para usar uma expressão coloquial, diria que se trata da síndrome da maria vai com as outras.
Fazendo um parênteses: não devemos ter medo de palavras novas, não devemos nos acomodar na fácil ignorância. Como este assunto merece sozinho uma crônica, volto ao mimetismo, característica das pessoas que imitam as outras, sem nenhum tipo de questionamento. Só fazem o que já foi feito, o que tem o aval dos outros. Ou seja, são cópias, papel carbono das outras vidas.
Muitos vão achar que maria vai com as outras é só aquela vizinha do 407 ou a prima que mora em Botafogo ou o colega da repartição, e não querer identificar em si mesmo alguma característica deste personagem, ainda mais que o nome é depreciativo.
Agora pense quantas vezes você tomou uma decisão porque achava que a sua família esperava que você fizesse exatamente aquilo; ou teve uma conduta, porque seu pai faria da mesma forma; ou usou uma roupa para ser aceito pelo grupo social; ou comprou um produto porque todos estavam comprando um igual. Veja que desde coisas simples a outras mais sérias, mais profundas em sua vida, você talvez esteja agindo só por “mimetismo”. Você está imitando os outros e, pior, nem percebe, afinal existem justificativas excelentes para a sua imitação existencial: a tradição, a normalidade, o bom senso, a família, a sociedade, o grupo social.
O mimetismo mata a individualidade e faz com que as pessoas se pareçam e se reproduzam de modo medíocre. A palavra medíocre já esclarece tudo: é a média, no mau sentido do termo. Pense bem: você quer ser medíocre? Não, não é mesmo? Então por que perguntar a sua irmã o que ela acha de seu vestido antes de usá-lo? Ou querer a opinião de sua colega sobre seu novo namorado? Ou, o que é mais sério, por que votar num candidato que vai manter as coisas como estão? Se você é um macaco de imitação, que tal sair dessa jaula e vir para o lado de fora, o lado dos homens, com todas a suas diferenças?


Katia Sarkis

segunda-feira, 2 de março de 2009


CRÔNICA 18


SE É DE GRAÇA, NÃO É BOM


Lembro-me de quando dei aulas de teatro em uma escola pública. Na verdade, eram vários cursos oferecidos gratuitamente para os alunos e moradores do bairro. Além das de teatro, havia aulas de dança, jazz, desenho, pintura e música, ministradas por profissionais com experiência e dadas com entusiasmo. Ao final de um semestre, o projeto da escola acabou, porque a direção verificou que o número de faltas era elevado, demonstrando pouco interesse por parte de seus alunos.
Lamentamos o término dos cursos, mas compreendemos as razões. Alunos de uma classe baixa que não podiam pagar academias de ginástica e dança nem cursos de arte perdiam aquela oportunidade. A conclusão foi fácil: como não pagavam não se importavam com a frequência e não levavam as aulas a sério.
Eles que acham normalmente que o colégio é fraco por ser público não souberam diferençar estas aulas extras das atividades curriculares. E por terem uma autoestima baixa não se sentiram merecedores de cursos bons e gratuitos, desperdiçando a chance única de estudarem artes.
Infelizmente esta atitude não é só de adolescentes. Numa sociedade capitalista, os adultos agem da mesma forma: só valorizam o que é pago, o que implica despesa. E não entendem como algo pode ser oferecido por um preço pequeno ou mesmo de graça. É claro que nada é de graça, só que o custo destas aulas era pago pelo governo estadual.
Recentemente um amigo que é pintor, mas não profissionalmente, recebeu alguns colegas do trabalho em casa. E na ocasião mostrou alguns quadros, que receberam de imediato elogios surpresos e sinceros. Quando um dos colegas, bastante entusiasmado, quis adquirir uma de suas obras, ele, hesitante, respondeu que a venderia por cem reais. Na mesma hora o colega perdeu o interesse e a devolveu, meio sem graça.
Mais tarde este meu amigo compreendeu o fato. Um quadro tão barato não poderia ser bom e não mereceria os cem reais gastos. Fiquei pensando sobre os critérios que usamos para dar valor às coisas e também - por que não? - às pessoas. Você sabe quais são os seus critérios?


Katia Sarkis

sábado, 28 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 17

A CULPA É SEMPRE DOS OUTROS!


Ouvi no sinal outro dia um diálogo entre vendedores de bandeiras esportivas, perto de um estádio. Um reclamava com o outro que tinha vendido muito pouco na véspera, quando houve um jogo entre dois times grandes, sendo um aqui da cidade. Dizia que a torcida deste time era de fato muito “muquirana” e que raramente comprava bandeiras. E que assim não dava para trabalhar direito.
Pensemos nesta conversa como uma parábola. Primeiro vamos reconhecer que, apesar da fala ser de um vendedor humilde, certamente com pouca instrução e sem habilidade para exercer outra profissão, ela poderia ser dita por um executivo, com ligeiras adaptações. Ele reclamaria dos clientes que não compram seus produtos ou mesmo de outros países que não aumentam as importações.
Você está me acompanhando? Seja lá a profissão que for e a sua provável remuneração, muitas vezes atribuímos ao outro, ou seja, às “torcidas muquiranas”, a nossa falta de sucesso, digamos assim. Será mesmo que a torcida C, ao contrário das torcidas A e B, não compra de propósito as bandeiras vendidas à porta dos estádios? Não sou especialista em futebol, mas acredito que não.
Ora, é mais fácil fazer como o vendedor irritado: culpar a torcida - obviamente não era a de seu time – por seus problemas financeiros. Será que ele não pensa que aquele torcedor não lhe comprou a bandeira, porque ontem também ninguém lhe comprou os produtos que vende ou não lhe pagou pelos serviços que oferece? Ou, ainda: será que ele não pensou que ele também ontem não comprou nada de ninguém, não movimentando, assim, a roda do dinheiro?
É claro que ele não pensou em nada disto. Mas, como tomamos estas reclamações como parábola, podemos nos perguntar, e não a ele, se muitas vezes não responsabilizamos os outros por nossas dificuldades financeiras e por nossos insucessos profissionais?
Por que não repensar sobre as nossas atividades? Será que nossos produtos e serviços têm mercado? Será que não temos que fazer mudanças? Quais?
Quando? O mais cedo que nós, e não os outros, pudermos.


Katia Sarkis

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

CRÔNICA 16

CUIDADO COM AS FANTASIAS

Com frequência idealizamos as coisas na vida e, como elas não são de acordo com a nossa idealização, nada fazemos. Frustrados, deixamos o tempo passar. De vez em quando, paramos para nos lamentar da vida não ser o que queríamos, sem perguntar se nós somos o que a vida esperava que fôssemos. Criticamos os outros, por não terem as qualidades ou características que gostaríamos que tivessem, pois elas nos seriam mais convenientes, sem fazer a auto-análise para verificarmos se nós temos estas qualidades, ou aquelas que são as preferidas dos outros.
Se somos bons cozinheiros, achamos que este é um atributo fundamental do homem e esperamos que todo mundo goste de usar a cozinha e fazer pratos deliciosos. Julgamos os outros por sua habilidade culinária e falamos sobre o tema quase que diariamente. Ora, nem todos gostam de cozinha e não têm tempo para se dedicar a ela. O trabalho e o corre-corre do dia a dia nas grandes cidades não deixam tempo para que durante a semana alguém faça o seu próprio almoço. Se pensar bem, não me lembro de ninguém que o faça, pois todos os meus amigos e conhecidos trabalham.
Neste caso, estaríamos usando a exceção – alguém que não trabalha e, portanto, tem disponibilidade para a cozinha – como parâmetro para avaliar os outros.
Retornemos às idealizações e vejamos outros exemplos. O primeiro relacionamento amoroso duradouro é normalmente mais idealizado do que os outros, pois temos mais expectativas e menos experiência. Fantasiamos que não teremos os problemas que vimos em outros casais, que seremos eternamente apaixonados e que viveremos “felizes” para sempre, como nos antigos filmes de Hollywood. Na realidade aprendemos que as coisas não são assim. Muitas pessoas, após a primeira separação passam a vida de relação em relação em busca do par ideal, numa espécie de jogo lotérico, ou se fecham e não se relacionam mais, magoados com o destino que a escolheu como a “única vítima” da desilusão amorosa.
Com o tempo, percebemos que é inútil ir de relação em relação, pois esta provavelmente é a melhor maneira de não encontrarmos o par “perfeito e definitivo”. Aliás, como esperar o definitivo, se nós mesmos optamos pelo transitório? Teremos sempre em mente que deve existir alguém mais adequado para nós e terminamos, consciente ou inconscientemente, o relacionamento. Dificilmente em algum momento pensamos se nós somos o mais adequado ou o mais satisfatório para os outros. Cegos, não temos dúvidas de que o somos.
Os outros, que se fecharam em copas, veem o tempo ir embora e não se relacionam mais, abdicam de sua afetividade e sexualidade e vão cuidar de negócios, filhos e netos, ou seja, têm razões nobres para não viverem, pois quem ousaria falar mal do trabalho ou da família? Será que se deixarmos de lado as idealizações e nos olharmos com olhos mais realistas, não poderemos ter mais satisfação na vida? A satisfação afetiva e sexual que toda relação deve nos oferecer, sem as expectativas e cobranças que existem na relação-modelo.
Como não conseguimos 100% de uma relação, não aceitamos 80%. Só que, com a idade, percebemos que nenhuma relação será mais 100%, nem mesmo os 80% inicialmente rejeitados. Então nos vemos diante de 50% ou 40% e aceitamos, porque agora sabemos que amanhã serão talvez só 20%. É claro que estou usando estes números didaticamente, pois não podemos medir uma relação em porcentagem. O que quero dizer é que, com a velhice e suas alterações físicas e psicológicas e com a fragmentação de nossas vidas, especialmente nas metrópoles, a idéia de relação matricial cada vez fica mais difícil. E ao percebemos, para alguns tardiamente, que o corpo que temos é este, a vida que temos é esta, o relacionamento que temos é este. Em outras palavras mais simples, é pegar ou largar.
Cuidado para aos 40 não nos arrependermos do que não fizemos aos 30 e aos 50 não nos arrependermos do que não fizemos aos 40. Depois de mortos, uma coisa é certa: não teremos mais tempo nem oportunidade.

Katia Sarkis

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 15

A PASSIVIDADE DE TODO DIA


É impressionante como somos passivos! Esta frase dita de início incomoda,desagrada. Se você for homem, e com homofobia, vai s indignar mais ainda, pois passivo é um tipo de homossexual,e você é ativo. Como agora, não vamos discutir que os homossexuais são ativos e passivos ao mesmo tempo, voltemos à frase. É impressionante como somos passivos. E o pior é que não vemos e, em não vendo, não admitimos.
Escolha uma situação, pense sobre ela, e logo, logo você encontrará uma atitude passiva. Partamos do exemplo já clássico, a televisão. Sentados confortavelmente nas poltronas, com o aparelho de controle na mão, nada controlamos. Somos, sim, controlados o tempo todo pelas ideias alheias, pelas imagens alheias e, na maioria da vezes, apenas fazemos passar o tempo, como se a vida fosse um fardo que precisasse ser amenizado com horas passivas diante de um televisor.
Dirão para você que há 150 canais à sua escolha, no horário que você escolher, com a sua programação favorita, com os seus atores prediletos etc etc Acontece que de fato você não escolheu nada: apenas pagou o aparelho e paga a assinatura da tv a cabo e a conta de luz. O seu verbo é pagar, e não escolher.
Você está calado há horas, não pensa, não emite uma opinião, não dialoga, você somente assiste a programas que, dependendo da carga ideológica (os filmes e seriados americanos e as novelas brasileiras são os piores), vai operando uma lavagem cerebral, uma verdadeira lobotomia. E os espectadores, idiotizados, vão defender com unhas e dentes as horas desperdiçadas diariamente de forma passiva diante de uma televisão.
Saindo um pouco do exemplo, pergunte-se se suas ideias são suas ou de seu pai ou de sua família ou de seu mestre ou de seu patrão ou de seu guru religioso ou de seu prefeito ou de seu cônjuge ou do anúncio. Sim, você talvez seja, em algum grau, um João vai com os outros ou uma Maria vai com as outras e não sabe. E, é claro, fica irritado de ser chamado assim. Calma, não é minha intenção ofender ninguém. Só proponho que pensemos sobre a passividade que existe em nós e que às vezes é tão grande, que temos preguiça de reconhecê-la e ter que fazer alguma coisa para mudá-la.
Relembre o seu dia hoje com caneta e papel na mão. Examine se não houve alguma situação em que você não agiu, portando-se de modo passivo e aceitando goela adentro o que o mundo impôs. Que tal agir amanhã? Mesmo que seja um pequeno gesto, em uma circunstância despretensiosa, será um excelente exercício. Boa sorte!

Katia Sarkis

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 14

O QUE LHE DESAGRADA EM VOCÊ É INSUPORTÁVEL NO OUTRO

Você já reparou naquele amigo que tem a mania de dizer que todo mundo é gay ou naquele que chama os outros de mão de vaca? Um tem problemas de sexualidade e o outro, de avareza. Muitas pessoas agem de forma primária e revelam aquilo que mais gostariam de esconder. Como têm medo de que os outros achem (ou descubram) sua tendência homossexual ou sua dificuldade de lidar com dinheiro, acusam os outros de terem estas características.
Há os que vão mais longe e evitam o contato com os que supostamente têm os seus “defeitos. Às vezes até brigam em público com estas pessoas ou rompem o relacionamento. Desta forma, todos verão que ela, que trai o marido, não se dá com mulheres adúlteras; ou que ele,usuário de drogas, não frequenta ambientes em que vão viciados. Normalmente isto ocorre sem terem um planejamento de conduta anterior, sem uma estratégia. Não é, portanto, um gesto racional.
É o inconsciente que domina. O delator contumaz não gosta de ouvir a palavra delação em sua roda; o perdulário se aborrece, quando o assunto da conversa passa a ser dinheiro; ao marido que bate na mulher desagrada as cenas de crise conjugal que passam na televisão. Ninguém admite que é o que é, que faz o que faz, se este ser e este fazer são mal vistos pelo código social.
Em casos mais sérios da “doença”, a inversão se dá por completo, isto é, o sujeito que pediu dinheiro emprestado ao vizinho da casa 4 espalha por toda a vila que o outro lhe deve uma boa quantia há não sei quantos meses ou anos. É claro que alguns sempre acreditam no mentiroso, especialmente se não gostarem daquele vizinho por outra razão.
Faça a experiência e seja fiador. No dia que o inquilino parar de pagar o aluguel e o proprietário procurá-lo com a dívida, esteja certo de que o seu amigo por quem você se responsabilizou falará mal de você.
Preste atenção naqueles que apontam defeitos nos outros com frequência. Será que não são eles que andam cometendo falhas e, inconscientemente, acusam os outros como forma de defesa antecipada? Na vida geralmente as mentiras mais destrutivas são ditas e feitas por aqueles que
“jamais” mentem.


Katia Sarkis

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 13



COISAS DE ESPELHO


Na clássica história infantil da Branca de Neve, a madrasta pergunta sempre ao espelho se há mulher mais bonita do que ela e ele é obrigado a responder que não. Já na vida real e adulta, não temos um espelho a nosso favor e o objeto que é símbolo de vaidade passa a ser ameaça. O espelho já não diz o que queremos ouvir, mas, sim, o que a imagem mostra. E esta imagem muitas vezes nos é desagradável. Logo passamos a evitar o espelho. Em outras palavras, a nos evitar.
Muitas artistas só se deixam fotografar de um lado, porque sabem que são mais fotogênicos, se vistos da esquerda ou da direita. Pensemos neste fato como uma metáfora. Será que só mostramos o nosso lado esquerdo, porque sabemos que ele é mais simpático? Ou será que fazemos em público as coisas que achamos que fazemos bem para que a nossa imagem – parcial, é claro – seja apreciada pelos outros?
Assim como a pessoa acima do peso evita a balança para não ver confirmado em números o que, obviamente, já sabe, nós evitamos os vários espelhos que surgem diariamente a nossa frente. Nós disfarçamos cinicamente como se não estivéssemos nos vendo. Sabe quando você não quer cumprimentar um conhecido e finge que não o viu ou até troca de calçada, para não ter que ser forçado a reconhecer que o viu e falar com ele? É a mesma coisa. Nós às vezes somos o desconhecido aborrecido de que tentamos fugir na rua.
Há ainda uma imagem pior, a do credor. Basta ouvir a palavra credor, para sentirmos uma sensação desagradável, mesmo que não tenhamos dívidas. É uma associação que habita o nosso subconsciente. Agora, caso estejamos de fato devendo, é o desespero. Não atendemos o telefone, pedimos para dizerem que não estamos etc. Fazemos tudo para escapar do constrangimento de sermos cobrados e de admitirmos que estamos errados, isto é, que não temos como pagar.
O que é um espelho se não um cobrador que bate à nossa porta e nos olha de frente, sem direito à fuga? E, aí, como responder a si mesmo, visto que um espelho não aceita mentiras?


Katia Sarkis

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 12


ALGO SOBRE A FELICIDADE


Li ontem uma entrevista sobre relacionamento amoroso, da qual retiro a resposta para a pergunta sobre a difícil felicidade na vida a dois. Disse o professor entrevistado que a questão não era o grande número de casais infelizes (ou não felizes) na vida a dois, mas que as pessoas não são felizes sozinhas. Segundo ele, viver feliz é algo que poucos conseguem, independente de terem um par ou não.
Agradou-me a resposta, pois coloca a felicidade no seu devido lugar, ou seja, dentro de cada um de nós e dependente exclusivamente de cada um. A vida a dois já tem sido responsabilizada demais. Por que não dizer que fulano não é feliz, no lugar de fulano não é feliz na vida amorosa? A felicidade é um bilhete lotérico? Está entregue nas mãos dos deuses? Ou cabe exclusivamente a nossos parceiros nos fazer feliz ou infeliz? Nós não temos nada a ver com a nossa felicidade?
Coitada da Maria, mas também vivendo com João, que volta e meia se torna violento. E que dizer de José, cuja companheira está sempre desempregada. Isto para não falar da Carla, pobrezinha, cujo marido a deixou por uma jovem de vinte anos. Pior é caso de Antônio, traído pela mulher e por seu suposto melhor amigo. A lista não tem fim. Todos os personagens acima são infelizes, porque são infelizes nos seus relacionamentos.
Não é a verdade. Eles são infelizes porque são infelizes.
E, concordando com o entrevistado, como a maioria das pessoas não é feliz, prefiro usar o termo não-feliz a infeliz, diminuindo a carga de sofrimento da palavra. Além do que há vários estágios intermediários entre a felicidade e a infelicidade, e são nestes estágios que frequentemente nos encontramos.
Devemos, sim, preservar a vida a dois, com a consciência de que ela não é uma abstração, mas uma construção histórica, feita, como o nome diz, sempre a dois.


Katia Sarkis


terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 11

A SURDEZ

Estava na plataforma do metrô, quando o funcionário anunciou pelo alto-falante que o próximo trem não faria serviço de passageiros. Logo que o trem chegou, o funcionário permaneceu avisando que o trem, agora parado na estação, não faria serviço de passageiros. No entanto, havia umas 50 pessoas em frente às portas dos vagões, esperando que elas abrissem. E, mal o trem partiu, alguns fizeram uma expressão de frustração, como se estivessem surpresos com o fato.
Ora, o aviso pelo alto-falante fora dado inúmeras vezes de forma audível, por que aquelas pessoas não “escutaram”? Mesmo que houvesse deficientes auditivos entre elas, não seriam certamente a totalidade. Logo eles fisicamente ouviram a mensagem, mas agiram como se nada tivesse sido dito.
Se fosse um só a não ouvir, diríamos que se encontrava distraído, mas 50 pessoas distraídas? Como não se trata de um caso isolado, podemos pensar em uma surdez coletiva. Sim, ela existe. E não é só distração, é a falta de hábito de não ouvir, de não pensar no outro. Ou a expectativa de se ouvir algo faz com se ouça o que não foi dito. Eles estavam ali, na plataforma, à espera do trem que os levariam para casa ou para o serviço, logo como o trem não faria isto?
Não sei com certeza o que causa esta conduta, só me atrevo a fazer especulações. De qualquer forma, acho que o fato merece atenção, que ele não acontece por acaso. Gostaria de perguntar a algumas daquelas pessoas por que elas foram para a porta do vagão, se foi dado o aviso de que o trem não levaria passageiros. Será porque eles falam outra “língua”? Será porque eles não lidam bem com as palavras? Como deve ser a relação dessas pessoas com a família? Apostaria que não é boa.
O fato é que existe uma surdez, individual e coletiva. A surdez individual seria fruto do egoísmo ou, pelo menos, do egocentrismo. O sujeito está tão voltado para si mesmo que não escuta o que o outro, a seu lado, fala. É uma leitura possível, mas não me satisfaz. Acho que há mais coisa nesta surdez, pois ela é numerosa. E, pior, ela não será tratada por otorrinolaringologista algum. As pessoas do metrô permanecerão surdas.
Se um aluno na escola não entende por que fez determinado erro no exercício ou na prova, provavelmente o repetirá. Assim é na vida: se as pessoas não sabem por que não ouvem, continuarão surdas. E os verdadeiros surdos têm dificuldade de interpretação: como não sabem o que está sendo perguntado, respondem qualquer coisa. O meu receio é este. Como essas pessoas não percebem o que acontece a sua volta, também vivem qualquer coisa.
Katia Sarkis

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

CRÔNICA 10


NÃO, A VIDA NÃO FICA PARA A PRÓXIMA VEZ


Quem um dia não ficou satisfeito por estar chovendo e, portanto, ter uma boa desculpa para não sair? Só que esta saída significava algum prazer. como ir a um passeio, à praia ou ao cinema. Ora, por que ficaríamos satisfeitos em não fazer algo que, a princípio, seria a realização de um desejo?
É estranho, mas é a verdade. Quem não respondeu sim à pergunta inicial, parabéns. Mas acho que não teria nenhuma resposta afirmativa. A questão que interessa é por que precisamos da chuva como desculpa para não agir? E mais ainda: por que “queremos” não agir, se a vida se dá justamente nas ações, mesmo que pequenas e simples?
Primeiro passo dado: por que queremos nos poupar da vida, atrás de uma vidraça olhando a chuva que cai e falsamente lamentando que não poderemos ir à praia, onde nadaríamos, pegaríamos sol, conversaríamos com os amigos, apreciaríamos a paisagem etc?
Resposta número um, mas não única: temos a tendência à autossabotagem e esta ocorre em diversos níveis. Ficar em casa em dia de chuva é só um deles, e não é o mais grave, claro.
Resposta número dois: a lei da inércia. A vida em recintos fechados nas grandes cidades acostumou o corpo a espaços pequenos e, como já foi dito, fechados, com poucos movimentos. A insegurança das ruas enxota cada vez mais o cidadão das ruas para as quatro paredes. Repare que desacostumado de se mover, o corpo tem dificuldade de movimento, preferindo, normalmente, não fazer esforço físico.
A mente, por sua vez, também é permanentemente adestrada pela “civilização” para se acomodar, visto que a acomodação traz mais longevidade. Agora me diz para que viver mais tempo, se não for para viver mais coisas, com mais intensidade?
Quantas vezes ouvimos que hoje não, mas da próxima vez traremos o calção para ir à praia, ou teremos tempo para o bate-papo e a janta, ou teremos ensaiado a canção para apresentar, ou estaremos melhor preparados para fazer a prova. Mas hoje evidentemente não podemos.
Não, na próxima vez não é mais esta vida. E talvez não seja outra.

Katia Sarkis

domingo, 15 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 9



O PESO DA PALAVRA ESCRITA

Certa vez li que o dono de uma agência publicitária, sempre que algum funcionário vinha lhe dizer que tinha uma grande idéia, pedia para que a colocasse por escrito e que a trouxesse depois. A maioria não voltava, pois simplesmente não conseguia colocar a ideia, tão genial, no papel. Eis aqui um bom teste. Se você não souber escrever o que pensa, deixe de lado este pensamento, que ele não lhe será útil. Pense outras coisas. A linguagem é sempre a prova dos nove.
É também um excelente espelho. Muitas vezes só percebemos as coisas, quando as vemos escritas na folha. A palavra, ou a sua ausência, fala mais alto. Faça a seguinte experiência. Ela serve como um teste vocacional barato, para quem não sabe que faculdade escolher e que carreira seguir. Não faz mal que você não seja mais um adolescente e até já seja formado. A experiência, é claro, terá outro valor, se bem que ainda possa mostrar a você que se encontra na profissão errada. Se for o caso, sempre é tempo de mudar.
Os testes vocacionais, que não pretendo substituir aqui, lidam basicamente com aptidões e interesses e sugerem as carreiras que mais se aproximam dos seus desejos e de suas capacidades. Vamos então ao teste. Vá para um lugar tranquilo, com caneta e papel, e faça uma lista com dez coisas que você acha que faz bem; depois, faça outra com dez coisas de seu interesse. Não pense muito, não se censure. Escreva de forma espontânea, mesmo que a idéia que venha à mente pareça absurda ou ridícula. Lembre-se de que ninguém lerá este papel, portanto não minta nem para você.
Caso você não seja o mais sincero possível, este teste não terá validade. Ou servirá ao menos para mostrar que você vive mentindo para você. Mas supondo que você tenha sido honesto, leia as duas listas. Se a finalidade fosse escolher uma profissão, o bom desempenho em Biologia e o interesse por assuntos de saúde confirmariam uma tendência para as carreiras na área de ciências. Não sendo o nosso caso, vejamos para que serve um teste tão simples.
Para ter surpresa quanto aos nossos verdadeiros interesses, por exemplo. Alguém com vinte anos num escritório de advocacia subitamente admite que a sua grande paixão são as artes plásticas; ou alguém que trabalhe como enfermeiro descobre que nunca teve paciência com os outros e que tem dificuldades em servir. Ora, este dois, por razões diferentes, deveriam procurar outras atividades com urgência.
Recordo-me de outro exemplo significativo deste teste aparentemente banal. Feito o pedido das listas para um grupo de adolescentes, a maioria só escreveu três ou quatro coisas de interesse. Logo foi fácil perceber por que sentiam tanto tédio, eles afinal tinham pouco interesse pela vida. Diziam que o mundo era sem graça, quando eles é que eram apáticos. Por ora, é a minha proposta. Olhe se você conseguiu colocar dez coisas de seu interesse, em ordem de prioridade de preferência. Conseguiu, sendo sincero? Que bom! Agora escreva o que você faz para satisfazer as necessidades de cada interesse.
Fique à vontade. Escreva com calma, pense outra vez, tente se lembrar de suas ações, inclusive das pequenas ações. Depois confronte as duas listas. Se não gostou do resultado, o que acha que pode ser feito? Escreva uma nova lista. Para iniciar, só com três ações que o ajudariam a alcançar seus objetivos e se comprometa com estas ações. Olhe só a sua imagem nitidamente refletida nesta lista-espelho. Não se espante, afinal você é o que faz.

Katia Sarkis








sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 8

O GESTO INFANTIL

Um vizinho confessou-me atordoado, ontem no elevador, que encontrara a mulher descascando o armário do quarto. Ele ficou tão sem jeito, que saiu do apartamento sem ser visto e se dirigia à garagem para ir sabe-se lá para onde. Estava tão chocado que desabafou comigo e depois pediu desculpas. Mas na verdade parecia pedir um conselho ou um ombro amigo. Queria entender por que uma mulher adulta descasca um móvel do qual não gosta apenas para estragá-lo mais ainda.
Sei que ele sai antes das sete para o trabalho e só volta à noite. Tem jeito de funcionário correto e dedicado e, segundo ele, é um marido atencioso e afetuoso, que se casou por paixão. Para ele é uma decepção flagrar a mulher destruindo os móveis da casa, como quem destrói a relação, a vida a dois.
Como não se trata de uma pessoa doente, o fato em si tem conotações mais sérias. Ela não é doida de rasgar dinheiro, como se diz. Como não gosta do armário, por achá-lo feio, pobre, ela o destrói, para que ele incomode mais. E toda vez que ela olhar para o armário descascado, ela se lembrará do marido e o culpará pelo estado do armário.
Qualquer estagiário de primeiro ano de Psicologia sabe disto, menos ela. Para ela, foi o marido que pôs um armário de segunda mão e feio ali de propósito, para desagradá-la, para contrariá-la. Com certeza, é o marido também que às escondidas torna o armário pior, para torturá-la esteticamente. É uma espécie de complô, elaborado antes do casamento com finalidade sádica.
O leitor razoavelmente inteligente poderia me perguntar por que aquela mulher, adulta e instruída, não dá aquele armário para alguma instituição de caridade, que ficará satisfeita com a doação, e compra outro, a seu gosto, para pôr no lugar.
Aqui entra em cena o nosso estagiário para responder. Se ela fizesse isto, estaria sendo de fato (e não só na carteira de identidade) adulta, estaria assumindo uma responsabilidade, ainda que pequena, na vida. E é sempre mais fácil destruir, e até mesmo se autodestruir, do que ser responsável. Certamente o armário descascado significa para ela um marido que não ama e um casamento fracassado, já para o estagiário seria mais aconselhável que ela abrisse o armário e se olhasse no espelho. Aí veria que a imagem de uma menina mimada de dez anos é mais desconfortável do que uma porta de armário descascada.

Katia Sarkis









quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009



DA ARTE DE SE AGRADAR


Seja lá quar for a nossa atividade profissional, sempre nos deparamos com pessoas que pensam de forma diferente ou até mesmo oposta. Isto faz parte da rotina do trabalho. Não podemos esperar uma aceitação unânime, nem devemos nos melindrar quando escutamos críticas ou censuras ao que fazemos, pois nós também somos permanentemente críticos dos outros.
Logo não devemos achar que a opinião contrária seja algo pessoal, dita para nos magoar ou nos aborrecer. Além do mais, nosso ponto de vista nem sempre é o mais certo ou o mais adequado. Precisamos achar que estamos certos e acreditar no que pensamos, mas isto não é garantia de que nosso modo de pensar seja o melhor.
Muitas vezes, aprendemos com os outros e reformulamos nossos pensamentos e crenças sobre vários assuntos, e não só quando dizem respeito ao nosso ofício. Acontece que somos particularmente mais vaidosos, quando se trata de nosso desempenho profissional, já que esta avaliação é uma das que mais pesam em nossa sociedade.
Se o nosso trabalho, por exemplo, tem uma relação direta com o público, como ocorre com artistas e jornalistas, a receptividade e a opinião alheia são imediatas. Os comentários e críticas surgem logo que a música, o texto, a peça e o artigo são postos no “mercado”. Em pouco tempo, sabemos se agradamos ou não, se agradamos a tal classe ou a tal faixa etária etc, o que não se dá com a maioria das profissões. Por isso, dizemos muitas vezes que determinado autor escreve comédias pensando na resposta do público ou que aquele compositor faz músicas fáceis, para ter uma venda maior...
Não importa o motivo que nos leva a querer agradar a alguém ou a público específico, cada um tem suas razões que merecem respeito, embora possamos também discordar de ser o público-alvo a determinar como o trabalho deve ser feito.
Não podemos agradar a todo mundo e há sempre quem discorde de nós, o que é esperado, e não deve ser visto como um mal. O que não podemos é nos desagradar, sob o risco de não nos reconhecermos e de nos dispersarmos. Agradar a si mesmo não deve ser entendido como um ato egocêntrico, mas como autorrespeito. Tanto não devemos assinar os textos com os quais não nos identificamos, como não devemos assinar os dias que não vivemos com a intensidade e a verdade que merecem. A vida deve ser sempre uma obra autoral.

Katia Sarkis








terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

CRÔNICA 6
NÃO À NEUTRALIDADE

Há os que sofrem da “síndrome da Suíça”, isto é, são como os chamados países neutros. Não vou aqui analisar as razões desta neutralidade. Mas, a princípio, desconfio das neutralidades e as temo. Para mim são sempre suspeitas e pouco respeitáveis. Curiosamente, às vezes dá-se uma inversão e o indivíduo diz com orgulho que é neutro, que não se põe de um lado nem do outro. Como se ele não fizesse parte do mundo, ou a ele fosse superior.
No dia a dia, com frequência somos obrigados a dar uma opinião, a escolher um lado e a arcar com as consequências. Sim, é mais fácil “ficar em cima do muro”, ser vago e reticente, de forma a não se comprometer. Talvez até nos achem educados, sensatos ou mesmo maduros, quando, na verdade, estamos sendo covardes e alienados. Desde a reunião de condomínio do prédio até a eleição para presidente da república, devemos externar nosso ponto de vista e defendê-lo, sem receio de desagradar ou de ficar mal visto. Porque uma coisa, é certa, sempre desagradaremos e ficaremos mal vistos, em algum momento. A mim, por exemplo, os neutros desagradam e muito.
Nem falo aqui daqueles que só se pronunciam depois que a maioria já deu seu parecer ou seu voto. O Maria vai com as outras é um caso grave e merece comentários à parte. Falo, por ora, do que, em nome de uma suposta paz, manifesta seu apoio a gregos e troianos, com o intuito de aparentar modos civilizados, como quem se encontra acima do bem e do mal.
Só que não há território neutro, o mundo é um campo minado nos sentidos literal e metafórico. Não há bandeira branca que nos garanta a invunerabilidade diante das balas dos dois lados. E se reparamos bem a expressão “fogo amigo”, tão usada em guerras recentes, também ocorre dentro de nossa família ou de nosso local de trabalho.
Não temos imunidade, como se diz na política; ou não estamos a salvo, como se diz na filosofia. O fato é que nas pequenas coisas cotidianas também não podemos optar pela abstenção, pois ela não existe. Ou “sujamos as mãos” ou “sujamos as mãos”. A menos que você queira fazer papel de Pilatos. Mas de que vale ter as mãos limpas, enquanto o sangue de Cristo corre diante de seus olhos?
O mundo é feito pelos homens que tomam partido.


Katia Sarkis

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 5

A MÁSCARA DA LINGUAGEM

Li recentemente num livro de Gustavo Cerbasi o seguinte: “O grande charme do dinheiro está no fato de ele raramente se mostrar como o vilão da história. Se não há dinheiro para renovar o guarda-roupa, o problema é percebido como desleixo...” O talentoso economista trata de questões financeiras em seu ensaio, mas aqui quero chamar atenção para a linguagem. Denominamos de ‘desleixo’ o que é falta de di-nheiro. Como, no momento, não vou tratar do assunto dinheiro, ficarei só na questão da linguagem. E não é pouca coisa.
Por que achamos que há falta de cuidado, quando, na verdade, não há dinheiro? Como há um tabu para tratarmos deste tema, então, falamos de outras coisas. Criticamos os mal vestidos, dizendo que são suburbanos, cafonas, caipiras, quando na verdade sabemos que eles não têm dinheiro para se vestirem de outro jeito, para andarem na moda feita nos bairros chiques das metrópoles ricas.
Achamos que o outro não tem bom gosto, por uma questão de opção ou educação, e não olhamos de frente para a causa: ele objetivamente não tem dinheiro. Este é um problema que não diz respeito apenas à falta de dinheiro. É o da linguagem: disfarçar, mascarar as coisas.
Em outras palavras mais simples, por que não damos os nomes aos bois? O que a linguagem esconde? E por que esconde?
No exemplo acima, vemos que é mais fácil falar em características como ser desleixado do que reconhecer de fato que a pessoa não tem dinheiro para se vestir melhor e por que razões não tem dinheiro. Fazemos de conta que a História não existe e falamos bobagens como dizer que fulano tem um temperamento assim ou assado ou que saiu ao pai ou a mãe. Por que será que tendemos a fazer abstrações e a não falar das circunstâncias reais da vida?
Verifique o uso que você faz da linguagem. Se você está usando uma palavra (desleixo) para significar ou esconder algo (falta de dinheiro), a quem você quer enganar? Para quem você está mentindo? Cuidado com os substantivos abstratos (desleixo é um deles), pois muitas vezes são utilizados contra a vida.
Palavras como amor, compreensão, respeito, vergonha, ética, justiça etc, que significam valores dignos de admiração podem ser i-ronicamente empregadas como mentiras, máscaras que escondem a verdade desagradável de ser dita e vista. É claro que sempre podemos optar pela mentira. Mas que seja por cinismo, e não por convicção!

Katia Sarkis

domingo, 8 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 4
UMA QUESTÃO DE PRIORIDADE

Algumas perguntas aparentemente simples deveriam ser feitas com mais regularidade, pois servem como uma espécie de termômetro, não verificam a nossa temperatura, mas a quantas anda a nossa vida. Eis uma: Quais são as suas prioridades? Sim, isto mesmo, quais são as coisas que vêm em primeiro lugar para você.
Se você nunca pensou nisto, pare rapidamente e pense, pois seu caso é mais sério. Você tem vivido todos estes anos e não teve tempo para se perguntar o que existe no mundo de mais importante para você? Primeiro de tudo, espero que você ache que haja pessoas e coisas importantes para você e que, por serem várias, você tem que estabelecer um ordem de interesse e de ação. O que vem em primeiro lugar é a sua prioridade.
Com a idade, estas prioridades vão mudando ou vão crescendo muito. Um adulto não tem obviamente os mesmos desejos da infância ou da adolescência. O tempo nos amplia e nos renova. Logo nossos interesses, desejos e necessidades vão se modificando e se consolidando. A escolha profissional, por exemplo, ocorre na adolescência e pode seguir até a velhice, e será sempre uma prioridade, pois é o trabalho que permite a realização destas outras, digamos, “prioridades”.
Além do trabalho, nossas principais áreas de interesse são normalmente a afetividade, o sexo, as relações familiares e sociais, os crescimentos intelectual e espiritual, a saúde. Se você parar e escrever num papel as dez coisas mais importantes de sua vida, verá que elas se encaixam no que foi dito acima. Que tal fazer esta lista como exercício? Escrever é mais do que simplesmente se lembrar destas prioridades, porque escrever exige que se pense antes.
Faça o teste agora e não minta. Coloque em ordem as grandes motivações de sua vida. Seja honesto, pois ninguém vai ler esta lista e não se sentirá magoado. Não escreva o que você acha que seria o certo ou o esperado. Talvez você seja pai e não ache que seus filhos sejam a prioridade um, mas escreveria a palavra filhos só porque a paternidade é um valor social. Não o faça. Se você mentir para você mesmo, esta lista não terá utilidade. E talvez seja uma boa hora para você reconhecer, por exemplo, que gosta mais de seu carro do que de seus filhos. Se isto não é o ideal, é melhor do que fingir que você é bom pai, e não um bom proprietário de automóvel.
Feita a lista, com a maior honestidade possível, releia e veja se não faria alguma mudança na ordem. Pense mais um pouco e faça as alterações necessárias, para ser bastante fiel ao que sente e pensa. Não ponha mais do que dez itens, ou não serão prioridades.
Se já acha que a lista corresponde à sua ordem de interesses na vida, vamos à segunda pergunta, e talvez mais difícil do que a primeira: O que você tem feito por suas prioridades? Pelo menos pelas três primeiras da lista? Vá, com sinceridade, responda a você mesmo. Agora.

KATIA SARKIS




sábado, 7 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 3
O TEMPO É AGORA

Você é do tipo que chega sempre atrasado e acha normal? Não? Ainda bem. Mas com certeza você conhece alguém assim: um sujeito que se atrasa para todos os compromissos ou que simplesmente deixa de comparecer, sem avisar antes e sem dar uma justificativa. Atrasa-se ou não vai e basta. Os outros que entendam.
Há profissionais que não têm cuidado com o horário. Os médicos normalmente iniciam suas consultas com atraso de minutos ou de horas, e isso diariamente, sem se sentirem culpados pela falha. Curiosamente, os analistas nunca se atrasam, o que prova que os médicos podem ser pontuais. Mas parece que, além de terem de escrever com letra feia, de forma ilegível, médicos também não precisam obedecer aos horários. Talvez por isso seus clientes sejam chamados de pacientes.
Outros não precisam chegar ou sair em hora determinada, porque trabalham por produção, o que deve ser melhor, mas, é claro, são a minoria. De um modo geral, um pequeno atraso parece simples, no entanto causa problemas em série. Imagine se você ficasse esperando o entregador de jornal para sair por uns 15 minutos, no fim do dia este atraso banal poderia ter desencadeado uma sucessão de atrasos, com mais gravidade do que a mera entrega de um jornal, que não será lido, se você não o receber antes de sair para o trabalho.
Na vida social, há os que se atrasam com frequência e até fazem tipo, reconhecem o problema como questão de estilo e personalidade e riem, achando graça das reclamações de parentes e amigos. Às vezes até pedem desculpas por não terem conseguido chegar mais tarde. Não percebem ou não admitem que se trata de uma falta de respeito para com o outro, e não avaliam as consequências pequenas ou graves deste hábito.
Se um dia, você ouvir que se seu pai, vítima de um infarto, tivesse chegado cinco minutos depois ao hospital, teria morrido, você entenderá a diferença de cinco minutos de atraso. Não quero ser aqui melodramática, mas só lembrar que o mundo não ajusta o relógio pelo seu. É o contrário: você é que precisa respeitar os horários do mundo e dos outros, sob pena de causar muitos danos aos
que vivem com você e, principalmente, a você mesmo, embora sem dúvida não reconheça sua impontualidade ou sua ausência como a causa de tantos problemas.
Quem lida mal com o tempo e tem o fuso horário existencial desencontrado das outras pessoas precisa, com urgência, não de relógios e despertadores, mas de uma bússola. Pois quem está na hora errada certamente está também no lugar errado. E, cuidado, corre o risco de se tornar ainda a pessoa errada.